quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Minha Tese: Percursos e Representações sobre o Consumo Excessivo de Álcool: Um Estudo Exploratório na Grande Área de Lisboa - METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE PESQUISA


     Orientação Metodológica

Estudo de Caso: A minha escolha

Um dos aspectos fundamentais para a realização de qualquer investigação, é a adequação do método ao problema em análise, aspecto que obrigatoriamente, requer reflexão por parte do investigador.
De acordo com a especificidade da problemática e dos objectivos deste trabalho, optei por efectuar uma pesquisa empírica através do método intensivo e qualitativo, privilegiando a técnica da entrevista semi-directiva e como técnica suplementar ou complementar, a recolha documental para análise, sobretudo para caracterização da área de intervenção (Instituições de apoio a indivíduos alcoolizados).
Neste tipo de estudos de natureza qualitativa não se coloca a questão da representatividade estatística, nem está em jogo a possibilidade de eventuais generalizações por extrapolação, procura-se, isso sim, o carácter exemplar do caso e a sua pertinência sociológica.
Não se adequando para todas as situações, esta opção justifica-se, porque é uma opção que permite a compreensão aprofundada de um dado fenómeno, da sua riqueza, das suas características e dos seus significados.
O fenómeno em causa, deve ser analisado de forma sistemática, intensiva, em profundidade e interactiva, de forma a respeitar todos os aspectos relevantes que o constituem. Neste sentido, e tratando-se de um fenómeno circunscrito a uma determinada área, visa retratar, da forma mais completa possível, uma determinada realidade.
Segundo Sharan Merriam[1], os estudos de caso podem assumir três tipos de características: 1) Descritivo, 2) Interpretativo e 3) Avaliativo.
O primeiro tipo, descritivo, tem detalhadamente em conta o fenómeno estudado, ou seja, não se guia por hipóteses estabelecidas, nem tem como objectivo principal a formulação de hipóteses gerais. O seu objectivo principal é a apresentação de informação básica sobre áreas ainda pouco conhecidas, pouco sujeitas à investigação, sendo que os seus resultados servem sobretudo para posteriores comparações e formulações teóricas.
O tipo, interpretativo, objectiva a descrição do fenómeno, mas os dados são utilizados para desenvolver categorias conceptuais, ou para servir de base a teorias já formuladas. Exige portanto, a existência prévia de teoria, para que as hipóteses possam ser desenvolvidas.
Quanto ao tipo avaliativo, o seu método consiste na componente avaliativa, para além de considerar a descrição e explanação dos fenómenos. A sua finalidade é poder realizar um determinado julgamento a partir de toda a informação tratada.
O objectivo a atingir, consiste numa descrição e interpretação de um fenómeno – perceber e compreender porque é que o consumo de álcool moderado ou inexistente, se torna num consumo de álcool excessivo e perturbador da sociedade, o que está na sua origem, ou melhor, o que motiva determinados indivíduos a entrarem no mundo do consumo excessivo de álcool e quais as suas consequências. Modéstia à parte, este trabalho visa contribuir para a melhor visibilidade de um fenómeno, que a sociedade muitas vezes trata simplesmente a jusante, e não o percebe, a montante.
Sabendo que para este tipo de investigação não interessa isolar e trabalhar variáveis, nem apresentar resultados quantitativos, julga-se que o método mais adequado seja um estudo de natureza interpretativa, que visa sobretudo, compreender o fenómeno na sua totalidade. Para o efeito, este tipo de estudo exige prévia orientação teórica, para que as hipóteses possam ser desenvolvidas, sendo que a recolha de dados tem como objectivo a interpretação ou a teorização do fenómeno.


Vantagens e Desvantagens do Estudo de Caso

Todas as metodologias de investigação, exibem aspectos positivos e negativos, o estudo de caso não foge a esta regra, revelando alguns aspectos menos positivos ou limitativos, mas também algumas vantagens.
O estudo de caso é um método que nos dá uma perspectiva mais rica e alargada de um determinado fenómeno, oferecendo a possibilidade de alargar conhecimentos e experiências, que mais tarde podem conduzir a novas pesquisas. Este tipo de estudo potencia a percepção da dinâmica dos fenómenos, acontecimentos e situações, e o próprio sentido que os mesmos adquirem para os indivíduos neles envolvidos. Tendo em conta a interacção e o envolvimento nas acções.
No entanto, nem tudo são aspectos positivos, existem também algumas críticas a este método, saliento duas que me parecem pertinentes, a primeira tem a ver com a possibilidade de falta de rigor e na própria possibilidade de algum enviesamento das conclusões, aspecto que, diga-se, não é exclusivo deste tipo de metodologia. Um segundo aspecto negativo, remete-nos para a problemática da extrapolação, nomeadamente do facto deste tipo de estudo não permitir generalizações para populações ou universos mais vastos, uma vez que provém de um único caso.
A implicação pessoal do investigador, o carácter de confidencialidade dos dados, a preservação do anonimato dos sujeitos, a distinção entre dados e a interpretação dos mesmos, são algumas das dificuldades encontradas no decorrer do trabalho, que podem ser relativizadas ou ultrapassadas com uma apresentação detalhada, da forma como o estudo foi conduzido e dos seus resultados.
Finalmente há que reter a ideia da dificuldade de realização e interpretação de um estudos de caso, pois ele reflecte em muito, a habilidade, sensibilidade e integridade do investigador, visto que este é o primeiro instrumento de recolha e análise dos dados.

População em estudo

A partir da problemática identificada – O que leva os indivíduos a um consumo excessivo de álcool e as suas consequências, escolheu-se três instituições que acolhem este tipo de indivíduos, para efectuarmos o nosso estudo:

·         Hospital Miguel Bombarda (3 entrevistas)
·         Centro Regional de Alcoologia do Sul (3 entrevistas)
·         Casa de Saúde do Telhal (3 entrevistas)

Na impossibilidade de entrevistar indivíduos na fase aguda do problema alcoólico, optou-se por realizar as entrevistas a indivíduos que estão em fase de recuperação e/ou abstinência total, mas que já passaram por situações de bebedouros excessivos.
Esta situação tem a vantagem de também percebermos as dificuldades de reinserção social, dos próprios indivíduos, que saindo da situação do abuso do álcool, se encontram com dificuldades de arranjar emprego, reconstruir a família, amigos e as dificuldades financeiras, aspectos relevantes neste tipo de indivíduos.

Técnica de Recolha e Tratamento dos Dados

Após a definição da problemática, das hipóteses de partida e da apresentação da população em estudo, torna-se necessária, a escolha de um instrumento que proporcione, no terreno, a melhor recolha de informação.
Como já afirmado anteriormente, os estudos de caso, têm um carácter qualitativo e baseiam-se geralmente em dados obtidos através de entrevistas, observações e análise de documentos.
Neste estudo concreto recorremos a uma abordagem de teor intensivo – realização de 9 entrevistas – cujos dados foram tratados de uma forma qualitativa.
As entrevistas foram realizadas a partir de uma formalização prévia, no qual se estabeleceu, quer a data, quer o local, neste caso, sempre nas instituições que prestam serviço de apoio ao indivíduo, e onde pudemos explicar qual o objectivo das entrevistas, bem como esclarecer o âmbito da investigação em curso.
Solicitámos também autorização para a utilização de um gravador e clarificámos o carácter confidencial de todas as declarações, utilizando para as suas transcrições nomes fictícios de forma à identificação ser praticamente impossível.
As entrevistas tiveram uma duração aproximada de 45 minutos alongando-se sempre que o entrevistado mantivesse um diálogo consistente e elucidativo de toda a sua descrição.
Devido também ao teor das próprias entrevistas, houve necessidade de primeiramente e sem gravador, ter uma conversa cordial, mostrando toda a disponibilidade e abertura da parte do investigador para a necessidade da veracidade de todos os dados, pois só assim, a análise posterior do seu conteúdo poderia ser enriquecedor do próprio trabalho que propunha realizar.

As Entrevistas Semi-Directivas

Decidiu-se efectuar entrevistas semi-directivas porque esta modalidade, através de um plano de entrevista que engloba um guião e um modo de intervenção, permite que:

  •       O entrevistado estruture o seu próprio pensamento
  •       Se limite o objecto, evitando divagações
  •       Se aprofundem certos pontos que o próprio entrevistado não teria explicitado de forma autónoma

Sabendo que estas são as principais vantagens deste método, não queria deixar também de salientar alguns problemas e algumas desvantagens do método da recolha por entrevista, que conforme Quivy e Campenhoudt[1],  nos indica:

Ø  A própria flexibilidade do método pode intimidar aqueles que não consigam trabalhar com serenidade sem directivas técnicas precisas, inversamente, outros podem pensar que esta relativa flexibilidade os autoriza a conversarem de qualquer maneira com os interlocutores;

Ø  Ao contrário, por exemplo, dos inquéritos por questionário, os elementos de informação e de reflexão recolhidos pelo método da entrevista não se apresentam imediatamente sob a forma que requeira um modo de análise particular;

Ø  O aspecto mais fundamental, por fim, é o facto de a flexibilidade do método poder levar a acreditar numa completa espontaneidade do entrevistado e numa total neutralidade do investigador.

Um outro aspecto interessante a salientar neste tipo de método, consiste no facto de que para se tirar o melhor partido na recolha dos dados, o investigador tem de dominar bem o tema e ter lucidez epistemologica, ou seja, bons conhecimentos teóricos, práticos e uma boa formação nas técnicas de entrevista.
Segundo Rodolphe Ghiglione e Benjamin Matalon[2] (2001: 88,89) a entrevista semidirectiva, é adequada para aprofundar um determinado domínio (como é o caso), ou verificar a evolução de um domínio já conhecido, pressupondo uma abordagem livre dos temas.
Por outro lado as principais técnicas a utilizar neste tipo de entrevistas são essencialmente quatro:

·         Linguagem acessível;
·         Tema estimulante para o entrevistado;
·         Definição clara dos papeis;
·         Recolha de informação o mais alargada possível.

Muito importante é, também logo de início,  definir bem o papel de cada um, do entrevistador, por um lado, e do entrevistado por outro, fazendo também, aquilo que nos dizem Rodolphe Ghiglione e Benjamin Matalon[3]: identificação do entrevistador, objectivo da investigação, o intuito e o objectivo da entrevista. Explicar porque foi escolhido (a), ou seja, as modalidades da amostragem, o método da recolha de dados (gravação, escrita, etc,) e a duração da entrevista. É também importante insistir-se nas regras deontológicas da profissão, nomeadamente na noção de anonimato do entrevistado, bem como na noção de anonimato do seu discurso.
Finalmente a atitude do entrevistador é muito importante, devendo ao longo da entrevista ser um ouvinte atento, procurar constantemente compreender o que é dito e ter uma atitude não crítica e de não avaliação. Só desta forma estaremos prontos para realizar uma entrevista semi-directiva.
Neste caso o guião da entrevista (que se apresenta em Anexo….), teve mais uma “função de enquadramento” e teve como objectivo delimitar o campo da investigação, com a finalidade de explorar as situações mais relevantes, e a recolha dos dados com a profundidade desejada para posterior análise e interpretação, face aos contributos teóricos mais significativos. Não se introduziu qualquer tipo de questão fechada, cujas respostas fossem “sim” ou “não”. Antes pelo contrário, recorreu-se a questões abertas, para que os entrevistados pudessem falar livre e abertamente sobre os assuntos específicos à medida que fossem surgindo.
Estas entrevistas propiciaram a recolha, para posterior análise, de uma diversidade de informação relativa a percursos e representações, interacções e opiniões que, de acordo com as metodologias qualitativas, são essenciais para a manutenção da fidelidade do próprio discurso dos sujeitos, de forma a deixar transparecer a evidência da análise efectuada.
A recolha da informação foi sujeita a uma análise transversal com o propósito de agrupar nas categorias presentes na grelha de análise construída, de forma a se proceder a uma organização dos dados recolhidos. Este trabalho conduziu à organização de um quadro de conteúdos, a partir do qual foram elaboradas fichas de análise com transcrições de afirmações e opiniões dos entrevistados (Ver Anexo…)


[1] QUIVY, Raymond, CAMPENHOUDT, Lucvan. (1998), Manual de investigação em ciências sociais, Lisboa, Gradiva, (2ª edição), pp. 194 – 195.
[2] GHIGLIONE, Rodolphe, MATALON, Benjamim, (1995), O inquérito: Teoria e Prática, Oeiras, Celta, p. 88 – 89.
[3] GHIGLIONE, Rodolphe, MATALON, Benjamim, (1995), O inquérito: Teoria e Prática, Oeiras, Celta, p. 88 – 89.


[1] MERRIAM, Sharan, (1988), Case Study Research in Education: A Qualitative Approach, São Francisco e Londres, Jossey-Bass Publishers.

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